Você já deve ter ouvido falar que em tempos de Covid-19 experimentamos situações atípicas, como as vividas em uma guerra. Será que após a pandemia teremos um cenário semelhante, em termos de danos à saúde mental?
Conhecemos os traumas que ex-combatentes tiveram após voltar das duas grandes guerras mundiais para suas casas. O que o psicanalista Abram Kardiner descreveu como “neuroses de guerra” em 1941, ajudou o estabelecimento de critérios diagnósticos para o que chamamos hoje de Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT). Em 2018, um estudo britânico realizado pelo Centro de Investigação sobre a Saúde Militar do King’s College de Londres, com soldados que serviram no Iraque e Afeganistão, também confirmou um aumento percentual nos investigados que apresentaram sintomas de TEPT (17%) em relação à população civil (5%). Os resultados publicados no periódico The British Journal of Psychiatry [213(6), 690-697, dez. 2018] mostraram que quem atua na linha de frente do combate é mais afetado pelo transtorno do que aqueles que servem em funções de apoio como medicina e logística, por exemplo.
À semelhança do que acontece com ex-combatentes, estima-se que muitas pessoas que vivenciam a pandemia do novo coronavírus enfrentarão, após a retomada da rotina, um pós-trauma. Quando falamos de TEPT nos referimos a um transtorno com sintomas diversos, mas que inclui, principalmente, uma forte ansiedade associada a memórias que são recorrentes e involuntárias sobre o evento traumático (flashbacks) começando em até 6 meses depois do acontecido e durando pelo menos 1 mês. Além disso, é comum ocorrer a hipervigilância, pesadelos, evitação de locais e conversa com pessoas que lembrem o ocorrido, perda de interesse em atividades significativas, incapacidade persistente de experimentar emoções positivas e sensação de distanciamento ou estranhamento em relação a outras pessoas.
Obviamente, cada indivíduo é único e responde de maneira única a estressores. Mas certamente, todos nós estamos provando, em maior ou menor intensidade, a ansiedade causada pela incerteza que a pandemia trouxe. Muitas pessoas tiveram a vida abalada pela morte de algum ente querido, perda de emprego, dificuldades financeiras, distanciamento da família e amigos, adoecimento etc. Os profissionais de saúde que lidam na linha de frente do combate à doença também serão mais suscetíveis ao desenvolvimento do TEPT, como acontece com os ex-combatentes. Felizmente existem formas de ajudar.
Quem experimenta o TEPT geralmente não tem esperança de melhorar e, por isso mesmo, resiste em expor sua vulnerabilidade a um profissional. A terapia de EMDR (Eye Movement Desensitization and Reprocessing) não é a única, mas tem sido uma abordagem de referência no enfrentamento desse grupo de transtornos. O mais importante nesses casos é lembrar que não precisamos enfrentar nossos medos sozinhos.
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